quarta-feira, abril 19, 2006

Policial Abatido - Parte 1

Um dia como outro qualquer na delegacia da cidade, viciados entram e saem com a mesma frequencia que as prostitutas, os senhores idosos que perderam suas carteiras para pirralhos metidos a adultos, ou forçados a se-los, abrem queixa sabendo que jamais terão seus documentos de volta, muito menos o dinheiro da aposentadoria recém sacado.

A sala do oficial Cortez tem um cheiro azedo, devido a quantidade de rosquinhas velhas espalhadas pela mesa de madeira descascada e com uma cor fraca, indicando a falta de verniz, de um lado a janela basculante entre aberta mostra a rua movimentada, os carros indo e vindo no caótico balé urbano de uma metrópole, o cheiro de poluição ajuda a piorar a sensação dentro da sala, no outro lado um quadro torto se esforça para decorar uma parede escura, sem vida e com várias falhas na pintura.

Oficial Cortez analisa um dentre vários documentos de soltura, tendo o indivíduo sentado em sua frente, ele se pergunta até quando estes miseráveis entrarão na delegacia apenas para bater ponto e logo sairão de volta as ruas e ao crime.
Hoje não é um bom dia, Susane sua mulher foi embora de casa com os filhos, levou inclusive sua televisão, anos e anos trabalhando para sustentar a familia e aquela desgraçada leva embora sua televisão que ele levou 24 meses pagando. Ainda pagou a mais cara porque Susane disse que o vendedor da loja dava uma garantia maior. A garantia ainda existe, mas a televisão se foi.

Ele carimba o documento e dispensa o meliante, que sai com aquele velho olhar de - nos vemos logo - e Cortez sabe que ele não está sendo sarcastico, logo logo eles se encontrarão de novo e terão a mesma conversa e o mesmo fim deste dia, é como se o mundo inteiro vivesse em um enorme redemoinho, onde tudo acontece em círculos, sendo que a cada dia o círculo diminui em direção ao fundo e completa mais rapidamente a volta.

O telefone toca, ele sabe que se atender terá que ver mais sujeira na cidade, ou atender outro viciado desgraçado que vomitará em cima da sua mesa. Ele pega o telefone.

- Cortez!
- Cortez - A voz de Melinda soa doce no aparelho, pelo menos alguma coisa dentro desta delegacia é de alguma valia - O Capitão quer lhe ver em sua sala imediatamente.

Ele desliga o telefone e fica imaginando como Melinda e suas belas coxas combinariam perfeitamente com o jogo de lençois novos que ele havia comprado para Susane a pouco mais de um mês. Ele afasta o pensamento de sua, agora ex-mulher e dirige-se a sala do capitão.

Bate uma vez na janela de vidro que estampa o nome do capitão em sua porta.

- Entre
- Olá chefia! Queria me ver? Vou ser promovido né?
- Claro que vai, não ouviu as vacas tossindo hoje de manhã? Sente-se!

O Capitão era um homem baixinho, careca, com o peso levemente acima do ideal, tinha 55 anos, destes 35 servindo aquela mesma delegacia, Cortez sempre se perguntava se não iria acabar do mesmo jeito. Hoje o capitão parecia particularmente preocupado, isso fez os instintos de Cortez ficarem em alerta, ele pegou um café e puxou a cadeira em frente a mesa do capitão para se sentar.

- Cortez, nós temos um problema - A voz do capitão soava baixa e melancólica.
- Isso não é novidade capitão, já viu a quantidade de problemas entrando e saindo aqui da delegacia?
- Querem fazer corte de pessoal - O Capitão falou rápido e seco, a notícia atingiu o estomago de cortez como uma bola chutada com força a meio metro de distância.
- Corte de pessoal? Eles estão loucos? Nós já não conseguimos dar conta dos problemas com o que temos e eles ainda querem tirar mais gente?

Desde que a polícia brasileira fora privatizada por um presidente que não merece ter seu nome citado, o número de pessoal diminuiu gradativamente a medida que os anos passavam, claro que os crimes não aumentaram nem diminuiram, na verdade seguiram a mesma porcaria de sempre, mas quem se importava com isso, o que valia mesmo eram as taxas de segurança pagas pela população, bem mais caras que os impostos pagos antigamente aos cofres do governo, com esse dinheiro os empresários mantinham o crime organizado longe das áreas ricas, fazendo com que seus cofres ficassem cada vez mais recheados de dinheiro. Com certaza os veículos novos e os novos armamentos que eram mostrados nos comerciais de televisão providenciavam estes pagamentos, mas Cortez não sabia diferenciar a policia de hoje com os pagamentos de proteção que a máfia italiana exigia dos comerciantes há alguns anos.
O País estava se desmanchando aos olhos de todos os seus habitantes mas ninguém sabia o que fazer e muito menos se importava, agora era cada um por si e Deus... bem... Deus também devia ter desistido do Brasil.

Cortez sabia o que significaria demitir pessoal, eles provavelmente chorariam muito, diriam que tem familia para sustentar, se ajoelhariam como Cortez vira muitos fazerem e no final iriam para casa, apenas para concluir seu destino com uma bala na cabeça e mais um trabalho para Cortez limpar.

O Capitão analisou Cortez por um instante, como que prevendo sua reação, ele sabia que o Sargento não iria questionar suas ordens e iria cumpri-las com rigor, mas ele se perguntava até quando aquele rapaz aguentaria essa vida sem reclamar.

Nesse momento um agente irrompe na sala do Capitão, gritando:

- Capitão temos um problema.
- Qual o problema agente Romano? Não pode ser um problemão maior que o que temos em mãos. - O Capitão deu uma piscada de olho para Cortez e este não soube se a intenção do Capitão era de fazer piada, porque aquilo definitivamente não combinava com piada.
- O problema é sério Capitão, temos uma situação com reféns, e são crianças.
- Onde? - Perguntou Cortez, já se levantando em com um estranho brilho no olhar, como que prevendo uma noticia muito ruim.
- Colégio São Cristóvan. - Respondeu Romano.
- Meu Deus! - Esclamou o Capitão.
- Meus Filhos! - Gritou Cortez já correndo em direção a porta.

CONTINUA...