terça-feira, abril 18, 2006

Licença Tia Ana

Peço licença a Tia Ana para poder reproduzir um texto sensacional do Arnaldo Jabor aqui no blog, peço licença a ela porque foi de lá que consegui o link.

Então, com licença dada ou não, aqui vai ele:

Arnaldo Jabor

Hoje não tem estilo, não tem capricho, não tem figuras de retórica; nada de metáforas, metonímias, catacreses ou aliterações chiques como: “Rara, rubra, risonha, régia rosa!” ou “Na messe, que enlourece, estremece a quermesse”.

Hoje vai tudo em bruto, em rascunho, porque descobri na internet que sou uma besta quadrada mesmo (dirão meus inimigos: “Finalmente, ele se encontrou...”). Eu tenho traçado mal traçadas linhas há 13 anos (gente... eu escrevo em jornal desde 1991!...) numa média de 60 artigos por ano, o que totalizaria 780 artigos caprichados, e descubro aterrado na internet que sou um animal, um forte asno. Explico por quê.

Ando pela rua e as pessoas me abordam: “Adorei o seu artigo que está circulando na internet! Maior sucesso!” Pergunto, já com medo: “Que artigo?” “Esse texto genial que você escreveu e que todo mundo me mandou. Chama-se ‘Bunda Dura’”.

Imediatamente, sinto-me irreal: “Eu sou eu, ou sou outro?” Por um instante, penso que tenham renomeado algo que escrevi, mas respondo: “Não fui eu quem escreveu esse texto!” Digo isso envergonhado e vagamente agressivo para a pessoa, que logo replica: “Puxa!... mas o texto é otimo, adorei o ‘Bunda Dura’!” Aí, não agüento e digo: “Você acha que eu ia escrever uma bosta dessas?” Aí, o admirador do texto apócrifo, o fã de um Jabor virtual se encolhe meio ofendido, flagrado em sua desinformação: “Mas... tem coisas legais...” E eu, implacável: “É uma bosta!” Aí, o sujeito sai sorrindo amarelo e vira meu inimigo para sempre.

Vejam o efeito da burrice “serial”: um burro me falsifica, um outro gosta e quem paga o pato sou eu. E fico mais invocado ainda porque capricho muito quando escrevo nos jornais, vocês nem imaginam. Considero o jornal um suporte genial, pois somos lidos por milhares toda semana e podemos falar do mundo ainda quente, sem a busca por transcendências perdidas, tanto assim que, se eu fizer um romance ou um poema épico em 11 cantos, tentarei escrever com a simplicidade leve que busco em meus pobres artigos. Mas o que realmente me encafifa é ver um clandestino simulando o que eu tenho de pior e também porque sou amado pelo que não sou.

Esse texto da “Bunda dura” está famoso. Toda hora alguém me elogia. Há trechos assim:

“Tenho horror à mulher perfeitinha. Sabe aquele tipo que faz escova toda manha, tá sempre na moda e é tão sorridente que parece propaganda de clareamento dentário?

E, só pra piorar: tem a bunda dura!!! Mulheres assim são um porre. Pior: são brochantes!”

Aí, a admiradora de bunda caída repete, feliz: “Adorei!”.

A primeira vez que saiu um troço desses (vou escrever de qualquer jeito...) eu encuquei, fiquei na maior bronca e esculachei o carinha que “me tinha metido nessa canastrice” (sacaram os cacófatos?), pois o dito texto esculhambava a linda amiga Adriane Galisteu. Companheiro leitor, (serei chulo) tu num sabe o bode que essa parada deu, por causa que o elemento apocrifador era um coleguinha jornalista que publicara aquilo num outro jornal, que eu não sabia. Caí de pau no cara e isso me meteu num “cu-de-boi” chato pra cacete e tive de escrever outro artigo para me explicar para a Adriane.

Outros textículos rolam na internet. Chega a menina sorrindo pra mim: “Rapaz... finalmente alguém diz a verdade sobre as mulheres na internet! Mandei isso pra mil amigas, principalmente naquela parte que você diz: ”Elas são tão cheirosinhas... elas fazem biquinho e deitam no teu ombro...“ ”Não escrevi isso...“, respondo. ”Não seja modesto! É a melhor coisa que já fez!... Olha só essa parte em que você diz: “Elas têm horror de qualquer carninha saindo da calça de cintura tão baixa que o cós acaba!”...

Eu jamais escreveria “cós acaba!”. “Nem vem... é teu melhor texto...” — e vai embora rebolando feliz...

E não publicam só textos safadinhos, mas até coisas épicas, como uma esplendorosa “Ode aos gaúchos” que eu teria escrito, o que já me valeu abraços apertados de machos bigodudos em Porto Alegre, quebrando-me os ossos: “Ché, tua escritura estava macanuda, trilegal!” Eu nego ter escrito aquele ditirambo meio farroupilha aos bigodudos, mas nego num tom vago, para não ser esculachado: “Tu não escreveste? Então tu não amas nossas prendas lindas, e negas ter escrito aquele pedaço em que tu dizes ‘que a gente já nasce montado num bagual’? Aquilo fez meu pai chorar, e o pedaço em que falas que ‘por baixo do poncho também bate um coração’? Tu tá tirando o cu da reta, ché?” — e me aponta o dedo, de bombachas e faca de prata. “Não fui eu, não, mas... viva o Olívio Dutra!...”

E há mais. Um deles é sobre “Amores mal resolvidos” onde acho frases profundas como “Você sabe, o amor acaba.” Ou “dor-de-cotovelo é quando o amor é interrompido antes que se esgote”... E há um outro chamado “Crônica do amor louco”, onde leio “pálido de espanto”: “O amor não é chegado em fazer contas...” ou “quando a mão dele toca tua nuca, tu derretes feito manteiga” ou “Ah... o amor, essa raposa...”

Sei que outros escritos fantasmas virão, mas saibam que só existo mesmo nas páginas dos jornais onde tenho coluna pelo país afora e que a internet é um deserto virtual, sem chão, onde as individualidades se dissolvem e eu viro um nome sem corpo...

Por isso, vou dar um conselho aos meus ghost-writers : Sejam vocês mesmos! Apareçam na internet, bloguem-se , orkutem-se , spamem suas almas líricas, sem receio ou pudor. Lembrando-me daquele japonês chamado Aki Sujiro, eu aqui sugiro alguns teminhas, para vocês glosarem.

Aqui vão: “Tudo sobre minha mãe”, como no filme do Almodóvar, ou “Confissões de um menino no porão ou o dia em que dei num troca-troca”, ou até um texto de cunho mais folclórico e regional: “Em trilha de paca, tatu caminha dentro?”

Não temam, rapazes, não se escondam — expressem-se!

GLOBO ON-LINE - 22 de julho de 2004

1 Comments:

At 4:38 PM, Blogger Ana said...

Tu sabes que a casa é tua!
Não precisa pedir licença, Gurizinho!
Tô adorando te ler aqui e posso dizer: tá a tua cara! Quase te vejo falando...

Aliás, acho que estamos mesmo, batendo um papo na Telúrica ou no Benedito!!

Beijos!

 

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